sexta-feira, 5 de abril de 2013

Vanitas vem directamente do espírito da máxima bíblica VANITAS VANITATUM ET OMNIA VANITAS (Ecc.1:2) - vaidade das vaidades, tudo é vaidade. 

Tu e eu: somos seres finitos! 
A única e sempre presente depressiva constatação leva-nos a entrar em agonia. 
Todavia é aquela que mais se repete em cada viragem de século: a inclinação vaidosa e puramente humana que tenta em vão repelir essa ideia e em vez de desejarmos o dia como se fosse o último, recaímos a circundar-nos de um grotesco espólio de objectos inúteis que pensamos ter neles uma confirmação mais firme da nossa vivência. E, no afinal não passam de uma forma que conjecturamos na nossa razão de ocultar de nós mesmo a verdade, uma realidade atroz. No fundo amamos o longe e a miragem! Em vez do perto e do que é valoroso
Assim, sob esta faceta paradoxal que deambulamos vivemos perseguindo a luxúria e a opulência desesperadamente, rodeando-nos de uma enorme massa de objectos sem sentido e de momentâneo interesse, imagino que seja o princípio desta rede que tecemos de consumismo e capitalismo que afecta gravemente a economia. Um facto que faz nos esquecer o que desejamos e vivemos numa fome de querer/poder como se ao apropriarmo-nos desses objectos estivéssemos a edificar uma barreira que a morte nunca conseguisse chegar, mas nada consegue travar cada grão que cai sempre com a mesma rotineira imparcialidade na ampulheta que concentra a existência que se esvai, pois desde o inicio que tem nela imprimido um rótulo de validade. O mal-estar que se avista nos nossos pensamentos embrenha-nos a entender como esta verdade se mostra enraizada por vergonha e recusa e acima disso reconhecemos o seu carácter intemporal por esta mesma linha que afecta cada ser humano que reflecte sobre a sua passagem. 
É evidente que procuramos todos uma solução e tentamos evadir da aceitação, mas a linha de pensamento que revi e que se pode verificar encontra-se nas atractivas e de modas (infelizmente) filosofias budistas e hinduístas, as quais ensinam o básico e o esquecido pelo ocidental, a procurar o que está em nós, a despojarmo-nos do supérfluo e amarmos o que realmente interessa. Mas, nem sempre estas modas e filosofias são adaptadas por inteiro na nossa cultura e acabam mesmo por ser usadas brevemente. Em sentido lato, estes ensinos por ostentarem um teor tão primitivo e sem complicações acaba por ser ignorado muito facilmente, o que faz ressaltar o pouco crédito que se dá devido à sua simplicidade para serem realmente compreendidos por uma sociedade de pressas e de cegueira. 
Todavia, é imprescindível denotar que este rastro desses tempos antigos foram inicialmente registados pelo olho observador dos pintores, os quais posteriormente foram substituídos pelos fotógrafos quer profissionais ou amadores e que actualmente possibilitam-nos no seu registo comparar o estranho comportamento a evidenciar-se na contínua mutabilidade de objectos. E, incrivelmente, desvenda-se a mesma mensagem pesarosa e sibilina de como é a nossa relação com a morte. Estes registos mostram como é fascinante a nossa recusa, a luta perante a finitude, mas acima disso é um quadro geral e comum a todos os seres humanos que fraquejam e vivem sob a angústia da aceitação da nossa mortalidade. 
Estas amostras que contemplamos denotam simbolicamente e de forma artística esta fuga emblemática, muito peculiar de naturezas-mortas que forjam a saliente diferença deste tema que assalta o espírito de cada observador por se mostrar tão constrangedor na sua afirmação sobre o telos humano. Mas, o desfile soturno continua e persiste em cada tela que tem nela pincelada a preocupação irónica e tenta mostrar a intensa alusão moral dentro desta avassaladora dicotomia e repreender sob imperativo gritante para uma reflexão, um marco que pode travar este rejúbilo fútil e sem sentido dos típicos prazeres humanos, que são mais breves e vazios que se pode alguma vez compreender. Estas sensações efémeras e ocas que nos movem, quiçá por impulsos freudianos a procurarem uma ínfima possibilidade de desfrutar de uma felicidade erógena aspirada sob contornos platónicos e que nunca se realiza, deixando-nos em espasmos de frustração por apenas tocarmos no ausente e assim vivemos na contínua saudade que nunca se irá dissipar do nosso génio. Uma ausência sempre presente e sentida que nos leva a substituí-la em materialismos que se contrapõem com a cada vez mais próxima e triunfante morte, que representa a origem do nada que já advimos. E, deste modo, ficamos confusos ao olhar a para sempre a enigmática e sorridente caveira que imprime a nuclear ideia de usufruir da sapiência que ainda não possuímos, de conhecer o outro lado e rir do nosso desespero, da nossa incompreensão e fuga. Ai se soubéssemos! 
Uma temática que fustigou um vasto leque de pintores entre o século XVI e XVIII e inspirou diversas manifestações da arte, nas quais se declara o peculiar gosto sobre estas reflexões em sugestivas composições traçadas em preto e vermelho, revelando um momento quotidiano, mas que na verdade é um regresso à linha da antiguidade grega iniciado por Zéxis e Parrácios, os quais estimulam o uso ilusório do trompe d´oeil, que expressa a errância dos prazeres e impulsos mundanos, a exacerbada preocupação pelo lado material, a compra de excessos e alimentação doentia por este feiticismo consumista e comportamental inconsciente e carnal que se quebra perante a constatação - Vanitas, vanitas, vanitas….que irremediavelmente se abre como um fim castrador e sela todas futuras possibilidades deste continuo desejo sem sentido. Um termo que me relembra o vocábulo inglês vanish, incentivando pelo lado fonético o v que mal se expressa vocalmente e para logo desaparecer deixando um presságio que tudo tem um fim passageiro e que nada é definitivo na terra. E, se esta temática antes criticava os excessos de uma época esbanjadora e bajuladora dos prazeres mundanos com severidade agora renova-se a cada século em fotos sem olho estético, mas manifestam uma venda pessoal no talho virtual que muitos donos de perfis instituem no mundo da internet. E, em tempos de mediocridade e de crise melancólica cada um procura algo para se tornar mais real, fugindo da confirmação, a qual desliza no seu coração com a verdade trágica que se revela como uma aparição que se torna o seu eu mais visível, a sua ideia de ser indiscernível e irrepetível, de ser um eu que em reflexão constata a sua posição de ser essencialmente único em contrate com todo o resto da humanidade. Mas, verifica a sua presente deterioração e a incapacidade de poder fazer algo contra. Um poder que nos abrange e nos arrasta sem percebermos e a cada minuto, a cada palavra que escrevo: todos nós estamos mais perto do último sopro. Apesar de sermos efémeros costuma-se dizer que éramos invejados pelos deuses, pois mesmo sendo escassa não podemos escondermos sob um efeito de avestruz, mas sim viver o melhor que podemos não na superficialidade, mas usando a linha de ataraxia a moda do heterónimo Ricardo Reis, de Fernando Pessoa, e deste modo, perseguir o sonho que nos atravessa logo pela manhã, pois a vida é fugaz. Assim, vivemos sob a consciência bem lúcida de a cada passo não podermos regressar para trás, de vivermos sempre em frente com amargura que o nosso tempo é breve! É um viver desencantado, sem escudos ou espadas para enfrentar demónios e impérios, pois estes primam pelo puro engano, nada trazemos, ficamos apenas com óbolo para pagar a travessia. Estas reflexões são iniciais, mas traçam a incerteza da vida perante a certeza da morte. O nada, o desconhecido que se aventuravam muitos e que inspiravam as pinturas de arte morta da temática Vanitas na altura dos descobrimentos, embora actualmente toda a terra se conhece ou pouco ficou por conhecer, falta compreendermos que é imperativo retornarmos a nós e descobrirmos o mais valoroso e nunca nos iludirmos como supérfluo que desfiguram como a vida pode ser suave se a vivermos realmente mesmo vivendo na dicotomia de uma depressão de altos e baixos, em que ora estamos lá em cima a tentar experienciar ao máximo e logo estamos cá em baixo mais lúcidos que nunca perante a nossa finitude. Esta vivencia mimética atrai por fatalidade os ritmos aceleradores que estamos presos, a cobra nietzschiana que nos sufoca e entra loucamente para dentro da nossa boca, declarando que somos demasiadamente impotentes para reprimir o seu avanço e o super-homem nunca se descobre, está apático ou em choque. E, tornamo-nos, algumas vezes no louco que é afinal uma marioneta perante este ridículo teatro que não conhecemos o guião e nem vislumbramos o ponto para nos dar qualquer dica, ficamos quedos quando reconhecemos que a única parte que sabemos é o fim, o desenlace desta história. Mas, é o princípio para o regresso para o nada de onde viemos. Se da mãe nascemos por um elemento feminino, a ceifeira somos colhidos e maternalmente nos educa sobre as origens, sobre as primeiras questões filosóficas que qualquer homem efectua ao racionalizar: quem somos, donde vimos, para onde vamos! 
E, como um agregado de moléculas, desaparecemos e continuamos a persistir noutras matérias, no pó que numa maneira telúrica e bíblica viemos do pó e ao pó voltamos.

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